Atualmente, ocupo uma posição de analista sênior na área de controladoria de uma importante empresa do país. Meu gerente é um daqueles “líderes” que sempre tem um sorriso e uma brincadeira para fazer com cada um dos colaboradores da equipe, todos gostam dele enquanto pessoa, mas não vai além disso. Enquanto gestor a opinião de todos sobre ele é bem diferente. Ele pouco conhece dos processos da área e seu conhecimento técnico é pequeno para alguém que ocupa uma posição tão importante. Utiliza-se do tempo para realizar atividades particulares, não atende à equipe no tempo necessário, posterga decisões e, quando trabalha, sua atuação se limita a receber da equipe as informações inerentes ao departamento, decorá-las — no sentido literal — e repassá-las à diretoria da empresa em reuniões que são regadas de adulações aos membros da diretoria ali presentes.
Sua vaidade é grande, seu principal objetivo de carreira é ser promovido à diretor da empresa, mas o caminho a percorrer — no seu ponto de vista — não é o de tornar o departamento mais competente e mais assertivo, não é o de capacitar cada vez mais sua equipe, não é o de corrigir e agregar valor aos processos desenvolvidos pela área, tampouco o de aprender de fato um pouco mais sobre cada um dos processos da área, ainda que somente fosse para melhorar sua visão sistêmica da empresa. O caminho por ele escolhido é o de se aproximar cada vez mais dos diretores e atender às suas demandas, ainda que estas possam em algum momento ir na mão contrária do que seria o correto.
Em geral, ele não apoia a equipe como deveria nos casos em que é preciso se contrapor a uma posição ou ao interesse de um diretor de outra área, desse modo nos frustramos por ter que aceitar fazer o que não é o mais adequado, bem como precisamos nos adaptar e, às vezes, ter retrabalho. Todas estas situações, entre outras, estão gerando um descontentamento e uma desmotivação enorme em todos os integrantes da equipe que já pensam em procurar outros horizontes. O mercado não está aquecido e encontrar outra oportunidade não é uma missão fácil. O que devemos fazer, continuar no individualismo procurando por outro trabalho, ou nos unir e buscar uma solução expondo o problema de alguma forma? O que fazer se meu chefe não é um bom gestor?
Economista, 49 anos
Prezado Leitor,
A primeira coisa a fazer nesse tipo de situação é compreender melhor o jogo e o seu papel nele. O ser humano é um ser político. É importante reconhecer a habilidade política do seu gestor e compreender os pontos fortes e fracos dessa abordagem. A sua posição também é política, é uma forma de concorrência e de resistência. Você acredita que a sua posição é mais legitima, pois você acredita que pensa em primeiro lugar no interesse da organização e da sua equipe dentro dela — ao menos é isso o que a sua carta coloca. O que está em jogo são papéis, funções e desempenho pelos indivíduos. Todos os contratos de trabalho e todas as estruturas hierárquicas são imperfeitas na sua adequação ao melhor interesse da organização.
Por isso, há muitos anos estudo o papel e o poder na confiança nas relações humanas na organização e seu impacto na produtividade e competitividade. Conflitos de papéis e funções são comuns na maioria das organizações. Mas antes de se precipitar, tente compreender se a alta administração realmente ignora que o gestor em questão seja incapaz e oportunista.
Pense também que a sua visão pode ser essa, mas o perfil que desenharam para o cargo pode ser diferente do que você acha que seria o ideal. Não é raro que nas organizações se escolham generalistas para o cargo de gestão e especialistas para trabalhar nas tarefas e processos. Nesse caso, o papel do gestor seria mais articular a cooperação e a colaboração entre especialistas na busca da melhor solução, mas não seria ele o responsável por desenvolver a soluções técnicas. Nesse caso, pode haver um conflito de valor: você valoriza o saber técnico especifico e a organização valoriza a capacidade de articulação para o cargo de liderança. Se a sua empresa tiver um bom mapeamento de competências deveria ser fácil encontrar essa informação e se certificar que o problema não é esse.
Ainda assim, ele pode ser oportunista e sem habilidades de liderança, pois não apoia a equipe e não dá suporte ao desenvolvimento do trabalho. Reduzir a cooperação com ele parece o caminho mais natural para uma equipe desmotivada e não faz sentido esconder isso. Isso já pode fragilizar a posição de líderes incapazes.
Outra alternativa é não entregar todo o conhecimento na bandeja ou fornecer informações simples, fora de contexto, que dificultam a elaboração sobre elas para que a incompetência seja percebida. Há muitas formas de expor o problema sem ir em bloco falar sobre ele, para quem quer que seja. Uma ação como essa pode, do ponto de vista político, torná-los vulneráveis.
Mas sem saber da qualidade da relação desse gestor com seus líderes é difícil estimar os riscos. Fazer articulações internamente pode ser uma boa forma de mostrar competência técnica e política e fazer-se ouvir nos fóruns e momentos adequados sem precisar liderar um motim. Mas eu tomaria um cuidado extra: examine a sua relação com seus líderes ao longo da sua vida.
Pense no seu papel como membro da equipe. É a primeira vez que isso acontece contigo, de ter um líder do qual você discorda e quer se livrar? Digo isso porque Freud fala da relação com a autoridade como marcada pela relação com o pai. Há pessoas que ao longo da vida se incomodam com aqueles em posição de liderança por seu perfil psicológico.
Se você encontrar um padrão similar, você pode ser o vetor de desmotivação da equipe, apontando incompetências e falhas de caráter como forma de estruturar uma resistência contra o gestor. Pense nisso e só aí desenhe a sua estratégia. Avalie se vale à pena lutar como um Dom Quixote nessa situação. Talvez seja a hora de fazer uma reflexão pessoal e, talvez sim, mover-se por conta própria, para revelar seus talentos. Lembre-se que vivemos numa era onde cabe a cada profissional gerenciar a sua própria carreira. Boa sorte!
Marco Tulio Zanini é professor e coordenador do mestrado executivo em gestão empresarial da FGV e consultor da Symballein.