Um tema que é presente e sempre atual nas relações interpessoais é o conflito. Nas organizações isto ganhou destaque e recebeu uma especial atenção por estudiosos que a partir de teorias e pesquisas estão ampliando as percepções do comportamento humano, o denominaram Gestão de Conflitos. Trata-se de um conjunto de técnica para mapear e gerenciar conflitos entre indivíduos, grupos e empresas, chegando a abranger técnicas de negociação. Mas antes de falarmos sobre o outro, o ambiente ou a situação, sobre isto falaremos em outra oportunidade, quero propor agora uma reflexão sobre o nossa posição diante de situações de conflitos, como nós contribuímos para gerar e como podemos lidar positivamente com tais situações.
A nossa relação com os outros é parte constitucional de nossa personalidade, nós só existimos em relação aos outros. Vejamos, quando nascemos existimos em relação aos nossos pais, a seguir juntam-se outros membros da família e mais a frente à sociedade como um todo. Do relacionamento com o outro que nos constituímos, ou seja, as informações e experiências emocionais que surgem do contato relacional nos moldam ao longo da vida.
As relações podem ser harmônicas ou adversas, nossos pais, os primeiros instrutores, nos amam e carinhosamente nos mimam, que delicia, mas quando iniciamos a explorar o mundo suas orientações são uma adversidade e muitas vezes reagimos com enfretamento. Surgem nossas experiências com o conflito. Talvez seja neste momento que damos inicio a crença de que conflito seja igual a confronto, o que pode nos levar na vida adulta a tática de evasão ou de partir para o ataque, que de uma forma ou de outra, é um desconforto, pois estas são embaraçosas e ameaçadoras.
Há um momento prévio ao início das relações, que ocorre antes de ouvir o outro, que um é período imaginativo que influenciará a relação em si. Isso se dá quando começamos a projetar um futuro para a relação em nossa conversa interna, onde começamos a especular as intenções do outro, as surpresas que ele poderá nos oferecer, como devo responder a isso ou aquilo, o que ele irá pedir, devo aceitar ou não, tudo projeção e retrospectiva de experiências anteriores, que se foram vividas com a mesma pessoa já se transformaram em rotulação. Mas podemos nos justificar, todo mundo age assim, isso não seria natural ou até uma forma de nos prepararmos?
Refletindo sobre os resultados que estamos obtendo, podemos perceber que este período imaginativo dificulta o processo de comunicação, erguendo barreiras que impedem a escuta. Pois partindo do que pensamos previamente, começamos a dar respostas antes que o outro termine a sua frase, é quase uma conversa telepática, mas não com o outro e sim com nós mesmos. Desta forma não chegamos a entender a mensagem que o outro queria nos passar e nossas respostas ou idéias não são ouvidas ou percebidas também. Dá-se então o conflito e reforçamos a crença de conflito igual a confronto.
Uma maneira de lidarmos com este período imaginativo é pensarmos como nos posicionamos, mental e emocionalmente, diante de nossas relações. Para nos auxiliar vamos nos aproximar da teoria do psicólogo americano Jullian Rotter que se chama locus de controle. A palavra lócus vem do latim e significa lugar, assim lócus de controle marca o nosso estado disposicional frente a situações com as quais lidamos. Diante de um fato podemos estar posicionados internamente, ou seja, onde nos sentimos coautores e coresponsáveis ou posicionados externamente quando atribuímos à autoria e a responsabilidade ao outro. Esta teoria ajuda a perceber a nossa posição e a conseguinte orientação do nosso comportamento numa situação de conflito, ou seja, se no período imaginativo estamos buscando elementos para defender e acusar, a orientação é externa, queremos encontrar no outro algo que o responsabilize, e como vimos, isso irá influenciar todo o processo relacional, pois iremos selecionar na escuta palavras e expressões emocionais que sejam um reforço e que confirmem as nossas teorias.
O posicionamento interno nos auxilia a estarmos abertos e a inibir a escuta seletiva durante o processo de comunicação. Nesta posição o período imaginativo é praticamente inerte, pois as características de coresponsabilidade e coautoria se nutrem de fatos, não especulações e projeções mentais. Frente a uma situação, que pode nos parecer ameaçadora e embaraçosa, podemos sentir o desconforto, é natural, mas sem que isso nos leve aos velhos hábitos de ataque e defesa, mantemos a abertura para acolher integralmente a fala do outro e encontrarmos os fatos que serão o ponto de referência para tudo o que será dito. Orientados por fatos diminuímos os riscos de julgar e interpretar o que o outro diz, e isso é muito importante, pois quando nos sentimos julgados, podemos entender como uma ameaça e buscamos nos defender, frequentemente, atacando. Assim, um posicionamento mais interno nos dá liberdade para ouvir e falar, e permite ao outro perceber que sua fala é acolhida e valorizada, este se sentirá que está sendo respeitado e se motivará com a relação.
Importante é frisar que os posicionamentos se alternam, ora estamos internos e ora externos, e isso ocorre em vários momentos ao longo do dia em decorrência do nosso estado de presença. O ideal é que tenhamos um posicionamento interno a maior parte do tempo, e isso é possível, neste momento tivemos contato com a teoria o que cria um novo espaço para a percepção de si mesmo e a seguir falaremos de elementos que contribuíram para praticarmos.
Para tornar algo significativo para a memória vamos dar nomes, o posicionamento externo está relacionado ao estado de vitimização, é quando surge a fala interna e dizemos: Eu sou ou estou assim porque fulano ou o mundo quer, exige e impõe. Chamaremos de vítima. O posicionamento interno está relacionado com o estado de posse de si mesmo, é uma clara percepção de si mesmo como responsável pelas coisas que acontecem na vida, suas escolhas e atitudes, chamaremos de protagonista.
A prática para sermos protagonista de nossas vidas é um longo caminho a ser percorrido, pois se desenvolve a partir da transformação dos processos automáticos de respostas para um processo consciente, para isso necessitaremos de dedicação, disciplina e vontade interior. Por vezes, teremos que contaremos com a ajuda de amigos, orientadores e até profissionais como coachs e psicoterapeutas.
Para treinarmos a sermos protagonistas nas nossas relações, lembrando que aqui estando tratando de situações de conflito, vamos nos inspirar na contribuição de Marshall B. Rosenberg, organizador da Comunicação Não-Violenta. Os elementos que o autor propõe para estruturar a comunicação serão utilizados como pontos de referência e foco em nosso treino. Vejamos:
- Observação: diante de uma situação de conflito, o mesmo serve para qualquer processo comunicação, a postura de observação nos coloca em contato com o que esta sendo apresentado, isso requer de nós um legítimo estado de presença. Lembrando que no processo imaginativo, que falamos anteriormente, muitas especulações e projeções são realizadas, isso nos rouba a presença e nos conduz ao passado ou ao futuro, tempo aliás onde construímos expectativas que quase sempre são reais. Então para termos contato com os fatos através da observação necessitamos estarmos presentes, recordando que os fatos embasam a comunicação e nos afastam dos julgamentos e interpretações.
- Sentir: O contato com o fato desperta em nós sentimentos e é importante reconhecê-los e aceitá-los. Este sentir valida o contato fato e a nossa interação com o outro. É legítimo sentirmos frustração, raiva ou mesmo medo diante de um fato, e mantermos o contato com sentimento faz com ele fique sob a nosso foco e não nos domine. É interessante como a observação e o sentir se relacionam, se após a observação realizamos julgamentos e interpretações, criamos uma barreira que nos impede de reconhecer o que sentimos realmente, então o sentimento se transforma em um emoção e nos colocamos a falar e agir em desconexão com a situação ampliando a situação de conflito. Negar sentimentos como o medo e a raiva está vinculado à crença de que devemos ser boas pessoas e que gente assim não sente raiva ou medo. É importante reconhecermos o que sentimos e validá-lo para não estarmos sujeitos a compulsões emocionais.
- Necessidade: o sentir está relacionado a uma necessidade que temos, que em uma situação de conflito, não está sendo atendida. Digamos que estamos participando de um momento delicado na empresa e a pauta é corte de custo e demissões, reconheço em mim o sentimento de medo e percebo que ele surge da minha necessidade de segurança, como estamos discutindo o que cortar e quem demitir a estabilidade de emprego foi abalada. Reconhecer isso é importante, pois as minhas contribuições em busca de solução podem ser influenciadas pela minha necessidade de segurança, deixando de contribuir em base aos fatos o que possibilitaria soluções mais condizentes com o momento. Mantendo o foco sobre a necessidade, como anteriormente no sentir, estaremos conscientes do que ela representa para nós e podemos pensar e agir com independência.
Colocar sob o nosso foco estes elementos requer treino e é como tudo que nos dispomos a aprender, a princípio pensamos em todos os detalhes, tentamos, corrigimos, tentamos mais, aperfeiçoamos e finalmente se transforma em algo natural. Ficamos tão bons que podemos ajudar as outras pessoas facilitando o processo de comunicação, pois podemos reconhecer estes elementos facilmente em meio ao que escutamos e assim podemos ir separando os fatos, reconhecendo e validando os sentimentos e as necessidades com o outro.
Podemos ainda ampliar o uso destes elementos na elaboração de pedidos que realizamos para ajustes nos comportamentos, por exemplo, – Fulano, quando você se atrasa a uma reunião que agendamos sem me comunicar, sinto frustração, pois pontualidade é importante. Peço-lhe que seja pontual e se algo o impedir, me informe. Perceba não há julgamentos ou ameaças, não foi ocultado o sentimento e o que é importante para que o relacionamento se mantenha foi dito. Esta é uma forma de se comunicar muito honesta e preventiva.
Tudo o que foi dito até o momento é uma forma de nos aproximarmos e nos situarmos diante de situação de embaraçosas e ameaçadoras, é uma pequena parte do que há por aprender com a Gestão de Conflitos. Foi um convite à reflexão, para olharmos a nós mesmos e percebermos que podemos ser parte ou senão a sua origem de conflitos, e isto é parte da nossa experiência humana, está tudo certo. Seria uma utopia pensar em uma existência sem conflitos, seria negar a nossa própria humanidade. O que podemos fazer é sermos protagonistas em nossas vidas, avaliarmos nossas responsabilidades e coautorias, desenvolvermos formas claras de comunicarmos o que pensamos e sentimos, e principalmente, considerar que do outro lado da comunicação há outro ser humano como nós que também esta se esforçando em ser melhor do que já é. Este entendimento nos conduz não na eliminação por completa dos conflitos, mas sim em transformá-los em possibilidades criativas, onde o conflito não é entre pessoas mas entre idéias.
Bom treino e até breve!